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Portugal: como afastar uma forte previsão de chuva

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Portugal: como afastar uma forte previsão de chuva
Portugal

Algo que é inquestionável: Portugal dispõe de um quadro de jogadores altamente qualificado, que é suficientemente capaz de se ajustar e agigantar num curto espaço de tempo. E algo que também é inquestionável e genuinamente mil vezes repetido: nenhuma seleção se constrói em mês e meio, pelo que a dinâmica de solidez nunca é verdadeiramente atingida nesse período de tempo.
Depois, há duas premissas que definem o padrão da seleção nacional neste preciso momento. Em primeiro lugar, e malgrado todo o talento, não existe em nenhum ponto do terreno um eixo devidamente solidificado em termos de rotinas de olhos fechados e trazidas do esqueleto dos clubes– William, Adrién e João Mário em 2016 e Costinha, Maniche e Deco em 2004 – que possibilite a Martinez a tranquilidade necessária para montar a tenda tática a partir daí. Sim, porque se o plágio é negativo, no caso a réplica pode ser benéfica e amiga dos títulos.

A segunda questão é mais pertinente e, seguramente, é aquela que mais alvoroço tem causado. Sim, é verdade que Martinez jogou mais em função do adversário do que aquilo que seria recomendável em face do talento português. Sem dúvida. Mas o tentáculo estende-se: o selecionador pretende, a todo o custo, que a equipa das quinas jogue com três centrais sendo que se volta à primeira volta no carrossel: não há nenhuma formação que forneça o tal serviço de três centrais servido numa bandeja. E, depois, jogar com três centrais determina um tempo de incubação/preparação amplo, algo que não é compaginável num cenário competitivo de tremenda exigência como é o caso do europeu.

Ou, para Roberto Martinez, se calhar é assim e nada disto faz sentido. Se a visão de desenvolvimento sustentável de que a seleção não terminará no euro e que há muito mais vida para além disso (o que é correto), também pode ser contraproducente realizar intervenções cirúrgicas de monta (Chéquia e Geórgia) no meio do processo. Por aí correm-se imensos riscos, se bem que o risco diante da Geórgia acabou por ser relativo e controlado. Portugal terminou em primeiro, tal como terminaria em primeiro se tivesse goleado. Pragmatismo impõe-se.

Tudo isto porque o selecionador pretende, de uma forma convicta, que a seleção jogue com três centrais e quanto mais cedo o fizer tanto melhor. Em defesa de Martinez há uma realidade indesmentível relacionada com o contexto: na realidade, quem contrata um treinador contrata uma ideia de jogo e, por isso, já se sabia (ou deveria saber) que iria ser por aqui. Ou seja, por muito que uma derrota diante da Geórgia seja preocupante, a mesma alinha por um pressuposto: Martinez quer aproveitar todas as frinchas competitivas de que dispõe para testar os seus três centrais e ver de que forma o processo estará eventualmente a evoluir. Ou a regredir e a precisar de novos ajustes.

Cabeça fria impõe-se. Se Portugal pode estudar o adversário mas tem toda a capacidade para não jogar em função dele, há que analisar o passado para se afastar a previsão de chuva que assola o futuro próximo: desde logo a constatação de que o jogo mais conseguido da seleção foi aquele que foi realizado diante da Turquia sendo que a linha paralela só deve ser realizada de respaldo: porque os adversários que se seguem serão naturalmente diferentes da Turquia e, pelo mesmo lado da moeda, não serão só os portugueses que já perceberam que há uma significativa diferença exibicional entre a dupla Chéquia/Geórgia e a Turquia. Evidente aos olhos de todos. E escalpelizável para quem pretende bloquear Portugal.

Associado a todo este raciocínio paira a questão emocional que neblina o próprio selecionador. E o consequente perigo: a mensagem de Martinez tem de ser suficientemente forte para se transmitir que a crença é tão forte num Portugal com uma linha tradicional de dois centrais do que com uma linha de três. Porque nesta altura todos os detalhes são montanhas: ou seja, é justificável que Martinez faça pontificar que a seleção caminha em direção àquilo que pretende tendo em linha de conta que aquilo que poderá chegar será um “upgrade” em relação ao panorama atual. Mas não poderá transmitir a ideia de que a linha de três centrais será a mais confiável de todas, sob pena dos próprios jogadores deixarem de acreditar no próprio processo.

Por aí reside a mais relevante das virtudes. Não se nota, pelo menos para fora, nenhum tipo de contestação interna em relação ao selecionador. Os jogadores aparentam grupo coeso e unido em torno de um técnico que trouxe para Portugal uma nova mentalidade ofensiva. O desafio passa por não se entrar no elétrico do exagero e definir que só existirá verdadeiramente um Portugal pleno quando o mesmo assimilar o tal desenho de três centrais. Atravessar tempestades é típico de campeões, mas também há tempestades que engolem muitos dos bem-aventurados da vida.

Acima de tudo, impõe-se ponderação e bom-senso nas escolhas. E a constatação de que qualquer sistema tático pode diluir-se em face da qualidade individual. É mais recomendável que seja o coletivo a ditar leis, mas nem tudo pode ser bem assim: individuais devidamente consolidados também podem parecer equipa. Neste tipo de competições, rápidas e pragmáticas, às vezes mais vale parecer do que ser.

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