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Benfica: Os perigos do internacional porreirismo

Artigo de opinião de Gil Nunes.

Benfica: Os perigos do internacional porreirismo
Depositphotos

A entrevista de Rui Costa foi sincera e frontal, mas também foi recheada de sublinhados entrelinhas que dão a entender algo por detrás da cortina. Ou confirmar algo que já se tinha percebido, até pelas recentes palavras de Rafa: Roger Schmidt tem bom caráter e trabalha de uma forma honesta. É querido, um tipo porreiro e desejado pelos jogadores. Seja como for, tal hipotética conclusão também bate de frente com a mãe de todas as reflexões: é excelente e ninguém duvida. Bons corações são sempre uma mais-valia. Mas não é isso que está em causa. Na realidade, uma vez mais a campainha: para o Benfica, não chega.

Aliás, a primeira pergunta da media open day, lançada por Hélder Conduto, revela alguma invisível desconfiança. Acha que Roger Schmidt tem condições para continuar? Porque, no real sentido do termo, dois anos volvidos após a chegada do técnico ninguém pode estar a pensar, ou a tentar concluir, se o técnico tem ou não condições para seguir em frente como homem do leme. É certo que Rui Costa tem razão quando refere que a passada temporada não foi a maior catástrofe de todos os tempos, mas a reflexão de equipa grande deve rodar no sentido correto dos ponteiros do relógio: ganhamos mas, ainda assim, não foi das temporadas mais gloriosas da história do clube. Queremos mais.

Também é verdade, e até é muito digno, que Roger Schmidt deu a cara por imensas vezes, e até num contexto em que a culpa não era apenas sua. Sobretudo quando as contratações falharam (Jurasek à cabeça) e o técnico teve mesmo de puxar pelos galões da improvisação. Mas, ao nível do discurso, também meteu água em diferentes momentos, justificando-se vezes sem conta que o Benfica só não ganhou porque não conseguiu meter mais golos que o adversário, Resposta de miúdo de seis anos. Ou, até mais grave, quando declarou que o Benfica jogou muito bem após ter eliminado um Rangers perfeitamente ao seu alcance. Discurso do razoável e do assim-assim. Isto não é o Benfica.

Por aí, e mais do que ganhar ou não ganhar, reside o principal problema de Rui Costa: a manutenção do técnico poderá representar um nivelamento do Benfica por baixo e dentro de uma cápsula em que eliminar o Rangers à rasquinha é uma grande coisa. De frente no iceberg do costume: para o Benfica não chega. E, no caso, os sócios podem dar uma resposta abrupta nas eleições agendadas para outubro de 2025.

Sim, o Benfica teve problemas sérios em relação ao rendimento dos laterais. Sobretudo do lado esquerdo, onde as lesões de Bernat e o eclipse de Jurasek não estavam nos planos, e por aí a culpa morre solteira e de forma justa: as contratações são como os melões, só depois de abertos é que sabe se são bons ou não; e as lesões aparecem sem avisar. Sobra Álvaro Carreras e, por aí nada a dizer, uma justificada contratação de um elemento jovem e dotado de ampla margem de progressão. O real problema mora no passado: é certo que a saída de Grimaldo não conseguiu ser colmatada, mas, na realidade, o que é que Schmidt fez no ano do título para contrariar internamente a pré-confirmada saída do espanhol? Será que era Ristic e o cenário deu uma cambalhota após o presumível conflito com o futebolista sérvio? Ou, ainda mais pertinente porque trocar peça por peça é sempre um risco, o que é Schmidt tinha preparado em caso de falha de Ristic? Ou de Jurasek? Ou não tinha nada preparado?

Regresso à entrevista e ao seu maravilhoso mundo das entrelinhas. E regresso a um título de 2022/2023 que representa o verdadeiro perigo à espreita: a dinâmica de vitórias não teve continuidade e, melhor dizendo, o Benfica regrediu de um ano para o outro. O que não se entende é o facto de Rui Costa dizer, na maior das suas descontrações, que no início da tal temporada Roger Schmidt acertou no onze e conseguiu levá-lo quase até ao fim. Mas então o Rui Costa, neste caso o Rui Costa ex-jogador, acredita numa dinâmica de vitórias assente na construção de um onze-base com meia-dúzia de alternativas? Não será este pensamento, já na sua base, um pensamento errado e que se desagua na ideia de que o Benfica ganhou a liga 2022/2023 quase por uma unha negra e espremido até ao tutano?

Sim, também é positivo que o Benfica tenha um projeto, e é errado que o projeto tenha de mudar ano após ano, num sobressalto permanente que não permite a necessária alavancagem. Por aí tudo bem. Mas a questão é outra: não há nenhum projeto que possa ser maior do que o próprio Benfica, sendo que também não há nenhuma mudança que tenha de ser, por si, absolutamente perigosa. E a questão nem é de populismo nem de teimosia: os projetos e os planos só fazem sentido se tiverem as correções necessárias, até porque aqueles que triunfam não são os que melhor planeiam, mas antes os que registam a melhor adaptação às circunstâncias e aos mutáveis contextos.

Mantendo Roger Schmidt, Rui Costa assume um risco e, acima de tudo, transforma o primeiro terço da próxima temporada num verdadeiro teste de fogo. Um cenário de efervescência permanente, pronto a romper mal a primeira estrondosa derrota bata à porta. É claro que para grandes males há sempre grandes remédios, mas o problema é o timing de aplicação da terapêutica: para Rui Costa, o Benfica não está doente. Apenas precisa de ajustes. Benefício da dúvida a um Presidente com invulgar conhecimento do futebol e que foi um dos melhores médios portugueses de todos os tempos. Ou então a lombada do livro. E escrita em bom português: não há pior cego do que aquele que não quer ver.

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